Corujas e morcegos

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Ela, às vezes eu

.


I

As horas, minha sombra
sempre diz com precisão.
Mas ouvidos só lhe dou
quando a piso por inteiro:
ao meio-dia em ponto.


II

Sombra de mim, és sobra
do outro que sempre sou
a cada passo que dou
no que de mim sossobra.


III

Fotografam-me de pé
e revelam-me no chão.
Enquadram-me sentado,
na foto eis-me no chão.
Deitado, sim, é que surjo
lógico, na horizontal,
embora justo embaixo

de mim que lá não estou.

Mas no espelho, a sós
comigo, sou onde estou,
ainda que seja ainda
minha maldita sombra
que no aço se estampa.

Somente em radiografias
saio sempre bem: 
é quando revela-se
o exterior do meu próprio eu
livre dessa sombria

víscera que me segue, à espera 
de outros corpos meus
para invadir e comandar.