Corujas e morcegos

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Cardiopatia



 Na aula de biologia
a tarefa era dissecar um sapo,
expor e examinar-lhe as vísceras.

Fui bastante além
e retalhei o batráquio –
ridículo com o paletó aberto ­–
até virar picadinho,
porque não achei seu coração.

Nem ele, o meu.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Breve inventário anatômico



Este fígado em frangalhos é meu.
Nem mesmo de vista o conheço,
mas reconheço a dor e as vezes
do bico cravado dos abutres.

Minhas, estas asas de coração.
Nunca as vi, nunca o vi voar,
porque cegou-me sempre
toda paixão que me viveu.

Este mingau derramado, meu cérebro,
poça de pensamentos impensáveis,
máxima fortuna amealhada
que ninguém quis ouvir e cobiçar.

Meus, estes grandes lábios vulvares,
sombra e bainha do feminino aríete
que Deus não quis e o Diabo me deu
para ser fêmea cada vez que fui macho.

E ainda estas minhas mãos cheias
do vasto vazio escrito por meus pés
enquanto eu garimpava mundos e fundos
no caos dos corpos do meu corpo.